O Estúdio Arteprojeto orgulhosamente inaugura seu blog, como essa inauguração, com alguns motivos de agenda de quem vos escreve aconteceu dia 8 de março, nada mais justo do que começar com um texto sobre como mulheres podem fazer tudo, até irem contra a tradição de 4000 anos e treinarem águias reais para a caça.
Conheça Aisholpan, uma garota da Mongólia que aos 13 anos de idade tornou-se mestra na arte da caça com águia e ainda ganhou o campeonato de caça com águias reais mais importante do mundo.
O documentário acompanha a jovem Aisholpan,uma mongol de 13 anos que, a despeito das tradições, quer se tornar uma mestre de águia caçadora. (sei lá como traduzir isso corretamente). A palavra mais próxima é falcoaria, mas o bicho ali é ligeiramente outro A garota e sua família vivem na região de Altai.
The Eagle Huntress foi lançado em 2016, sua filmagens são de 2014 e Aisholpan foi descoberta na parte rural da Mongólia por algumas fotos que circularam no Facebook. Otto Bell gostou do que viu, começou a trabalhar no assunto e em pouco tempo estava voando com a equipe para a Mongólia.
O documentário acompanha a vida de Aishopan Nurgaiv e sua família. Ela, desde pequena encantada com as águias do pai. Sua mãe relata que ela ficava hipnotizada olhando para os animais. Quando sei irmão mais velho vai para o exército, Aisholpan assume muitas das tarefas dele, isso e seu desejo por caçar com águias e sua afeição pelas aves levam a seu pai, indo contra o costume, a ensinar uma garota a caçar com águias.
No começo do documentário vemos a vida na casa modesta da família e uma breve explicação da falcoaria (não existe aguiaria) naquela região e de como os mongóis de origem do Cazaquistão se identificam como povo a partir da caça com águias. Também ficamos sabendo como é a escola, Aisholpan passa a semana em um internato, seus irmãos também, e vão para casa nos fins de semana. Seu maior desejo enquanto está na escola é a chegada logo do fim de semana para treinar com a águia de seu pai.
A primeira parte acaba com um tipo de ritual de passagem, a menina vai até um ninho de águias reais e captura um filhote, segundo seu pai, eles já estão grandes o suficiente para viver fora do ninho, mas ainda incapazes de voar. Eu estava imaginado algo do tamanho de um frango, mas mesmo um filhote de águia real é uma monstruosidade bem agressiva. Aisholpan sobe as montanhas com seu pai, desce um desfiladeiro ingrime e consegue chegar até o ninho e capturar sua águia. O treinamento continua e a águia vai crescendo e se torna um animal bastante forte e com uma conexão bem estabelecida com sua dona.
Na segunda metade é sobre a competição de caça com águias. nunca houve uma mulher que participasse, mesmo que outras mulheres já tenham sido caçadoras com águias. Aisholpan e seu pai rumam em seus pôneis para lá. Somos apresentados a 3 provas. Roupas e cavalo, Puxar a presa e o mais importante, o recebimento da águia. Aisholpan, vai bem nos dois primeiros e quebra o recorde da terceira prova com o tempo absurdo de 5 segundos (a média de tempo é de 11 segundos). Se fosse um filme pareceria forçado demais. Não por ela ser menina, mas por ter apenas 13 anos e competir contra experientes caçadores e mesmo assim ganhar.
E a terceira metade somos apresentados a verdadeira prova de fogo, ou melhor, de gelo. Caçar no inverno, nas fronteiras entre e China e Mongólia. Os pôneis atolam na neve, a águia perde a raposa algumas vezes, é uma parte bastante dramática. O documentário não aponta o tempo de viagem e caça, mas numa entrevista posterior Otto Bell revelou que foram 22 dias.
O documentário ganha pontos com suas imagens, são simplesmente lindas, as montanhas, as rochas e por último a neve. As águias reais são absurdamente lindas em voo, são máquinas de matar de 15 quilos sendo carregadas no braço de uma menina por muitos quilômetros. Visualmente é um documentário irretocável, uma pena eu só conseguir na locadora do Paulo Coelho uma versão de DVD, pelas paisagens e filmagens com gopro nas águias merecia muito ser visto em 1080p.
Como narradora, mas bem pouquinho na verdade, temos Daisy Ridley. A narração é sucinta e pontual, o que deixa espaço para as imagens e para os depoimentos de Aisholpan e sua família, principalmente seu pai. Por outro lado o documentário carece um pouco de informações. A caçada com águias é bastante complexa e difícil de entender apenas observando, e ela só vai acontecer bem no final do filme. Outro ponto negativo são as opiniões de alguns anciões sobre meninas e águias, eles são veementemente contra, mas não sabemos quem são esses homens, só deduzimos que são importantes na comunidade por sua idade e roupas vistosas, mas nenhuma identificação é feita.
Outro problema é a mão pesada no discurso. A mensagem “uma garota pode ser e fazer o que quiser” está clara, muito clara mesmo, não precisava ser reforçado pela narração, pelos depoimentos e pela música dos créditos. Não é uma música ruim, na verdade é até legal, mas é tão obvia em sua letra e tão igual o que já foi afirmado que deixa a coisa mais explicita do que o necessário.
O tempo de documentário é na medida, quase uma hora e meia, talvez um pouco mais de informação seria bem vinda, por outro lado o drama está na dosagem certa. Mesmo sabendo que a menina vai conseguir pegar a águia e que não vai se esborrachar montanha abaixo, mesmo assim a tendência é se inclinar mais na ponta do só fá e torcer por ela. O mesmo vale para o campeonato e para a caçada na neve.
Aisholpan é duma determinação impar, uma mistura de educação para a caça, condições adversas de clima e vida e temos alguém bastante resiliente e capaz de com apenas 13 anos atravessar a neve puxando um cavalo e carregando uma máquina de matar de 15 quilos no braço.
Li em alguns lugares que o documentário apresenta Aisholpan, a garota que é capaz de inspirar outras meninas a fazerem e ousarem mais, discordarei disso em parte, não é apenas um exemplo positivo para o sexo feminino, mas pra qualquer um.
O filme não tem release oficial em português, mas é relativamente fácil de achar na locadora do Paulo Coelho, também não tem legenda em português, mas as traduções automáticas da internet deixam as legendas em inglês razoáveis para assistir. O filme é quase todo em Cazaque, então pra maior parte da população as legendas são bem necessárias.
Alguns dados que não estão no documentário e que podem tornar a experiencia de vê-lo mais profunda:
Mongólia:
A Mongólia não tem mar, faz fronteiras com a China e com a Rússia, mesmo não tendo fronteira com o Cazaquistão são relativamente próximos e uma parte da população descende de lá. É um país semipresidencialista, maioria budista, uns 90%, e vem de uma história de luta e conquistas por povos nômades. Pouco mais da metade da população é urbana, mas tem uma vasta área rural e povos nômades que estão diminuindo em detrimento de assentamentos rurais. É a menor densidade democrática do mundo.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Mong%C3%B3lia
Caçadores com águias: Caçar com águias, que em português a gente chama de falcoaria, mesmo sabendo que o bicho está ligeiramente errado, tem sua origem nas estepes da Eurásia. A tradição da falcoaria tem mais de 4000 anos.
https://en.wikipedia.org/wiki/Hunting_with_eagles
Águias Reais: A águia reais é a espécie de águia mais abundante do planeta, ela também é o animal preferido para a falcoaria, seu tamanho absurdo até para uma ave de rapina, sua ferocidade e agilidade lhe garantem ser o companheiro perfeito de caçadores. Até lobos são caçados com esses animais. Esse bicho pode viver mais de 20 anos, alguns chegando aos 30 e passando. Eles medem 66 a 102 cm de comprimento e de 1,8 a 2,34 m em envergadura e pesam uns 15 quilos. Em outras palavras, é um passarinho grande, muito grande!
Nota: Golden Eagles são traduzidas como águias reais em português.
Links:
https://en.wikipedia.org/wiki/The_Eagle_Huntress
http://www.rogerebert.com/reviews/the-eagle-huntress-2016
http://www.imdb.com/title/tt3882074/?ref_=nv_sr_1
http://news.nationalgeographic.com/2016/08/teenage-eagle-huntress-movie-trailer-director-interview/
http://nymag.com/thecut/2016/11/the-eagle-huntress-is-an-empowering-feminist-fable.html